A namorada baiana do pequeno príncipe

Por Breno Fernandes

Em entrevista a La Baguette, o escritor Mario de Lima conta sobre a passagem de Saint-Exupéry pela Península de Maraú, em 1930, e do amor que viveu ali.

Para muitos, o nome “Antoine de Saint-Exupéry” remete a uma coisa somente: O pequeno príncipe. Mas a verdade é que esse clássico da literatura infantil é apenas a porta de entrada para o fascinante mundo de Saint-Exupéry, esse francês nascido em Lyon, em 1900, que se tornou um dos pioneiros da aviação, sobrevoando oceanos, desertos e cordilheiras quando a máquina inventada por Santos Dummont, em 1906, nem sequer havia alcançado a maioridade.

Saint-Exupéry fez da aviação a base de uma filosofia que enriqueceu sua literatura e que foi, antes de tudo, um modo de ser e de ver o mundo. Em Terra dos homens, um texto autobiográfico, ele conta que, ao perceber, do alto, como o planeta era mais hostil do que propício à vida, principalmente à vida humana, passou a “julgar o homem por uma escala cósmica”, deslumbrado pela potência que há em nós, seres tão frágeis; encantado pelo que de comum se pode encontrar debaixo das mais variadas cascas, aquilo que escapa à cultura ou que está na origem de todas as culturas.

Foi esse deslumbramento que o escritor Mario de Lima buscou ao escrever A namorada do pequeno príncipe (Mondrongo, 2018, 108 p. R$30), um romance baseado na descoberta de que, em 1930, durante seu tempo como piloto do correio aéreo que ligava a França ao Cone Sul, Saint-Exupéry passou uma curta temporada no vilarejo de Campinho, na Península de Maraú, e ali viveu uma história de amor com a jovem Onília Ventura, moquequeira da comunidade. Confira a entrevista com o escritor:

La Baguette | Como um paulista do ABC, com passagem de mais de uma década pela Espanha, veio parar na Bahia? Por que Maraú?

Mario de Lima | Eu passava por uma fase na Espanha que nem o ótimo emprego que eu tinha conseguia amenizar. Tinha ficado viúvo em Barcelona e queria deixar de me sentir imigrante. Queria voltar a sentir a alegria brasileira, a diversidade da nossa cultura, dos nossos sotaques, dos nossos temperos… Não como turista, como tinha feito nos 12 anos em que morei na Espanha, mas como membro de uma comunidade. Com esse desejo em mente, descobri a Península de Maraú através de um amigo que aqui morava e me apaixonei pela praia de Taipu de Fora.

LB | Como veio a seu conhecimento a história da passagem de Saint-Exupéry por Campinho? Você conheceu pessoas que estiveram com ele, como a própria Onília?

ML | Tenho uma pousada em Taipu, e foi um hóspede que me contou que Saint-Exupéry tinha estado por aqui e que tinha namorado uma jovem filha de pescadores. Tive a esperança de ainda encontrar Onília viva, mas estávamos em 2014, e ela havia falecido um ano antes. Entretanto conheci sua irmã, Aurora, uma senhora apaixonante. Aurora se recordava bem de “Zuperri” e me contou do amor transcendente entre o francês e a irmã. Falou do pedido de casamento dele, recusado por Onília, e da decisão dela de nunca se casar com outro homem. Falou ainda sobre passeios no aviãozinho de Antoine e da forma engraçada como ele pronunciava algumas palavras. E me confidenciou que o grande sonho da irmã era poder ler O pequeno príncipe, que em 1945 lhe fora presenteado pela sobrinha do aviador, mas numa edição em língua francesa.

LB | Sempre se tratou de fazer uma ficção baseada em fatos reais ou no início o plano era fazer um romance histórico, seguindo à risca os fatos documentados?

ML | A ideia inicial era, sim, fazer um romance histórico. Mas me esbarrei na falta de detalhes, de documentação, de fatos que justificassem um texto mais extenso do que quinze ou vinte páginas. À época, Saint-Exupéry trabalhava para os correios aéreos franceses, e há quem diga que ele trazia correspondência para a região, mas seu ponto de referência no Brasil era de fato Campeche, em Santa Catarina. Ali, sim, há documentos de sua passagem pelo país. Há fotos e depoimentos de pescadores locais. Aqui, só pude contar com depoimento de Aurora Ventura e de outras pessoas que conheceram Onília. No final do livro, há alguns links que comprovam a passagem de Antoine por Maraú, bem como seu encantamento pela bela moquequeira de Campinho. Ciente das lacunas históricas, decidi contar a minha versão sobre o romance deles dois. Compus uma ficção baseada nessa história de amor, que foi curta, mas que, ao menos para Onília, foi além dos limites físicos e palpáveis.

LB | Qual foi o aspecto mais interessante da personalidade de Saint-Exupéry que você descobriu ou do qual se deu conta na sua pesquisa?

ML | O desapego pelas coisas materiais. Saint-Exupéry sabia que sua obra transcenderia sua época. Sabia que as gerações posteriores leriam seus livros, principalmente O pequeno príncipe, e renunciou a publicá-los com a rapidez com que as editoras queriam, abdicando de pagamentos antecipados. Fora isso, tem um episódio marcante, que aconteceu quando ele ainda era adolescente e, já órfão de pai, vivia com a mãe, uma tia e suas primas. Sua única referência masculina era o irmão mais velho. Ambos viviam lutando pelos presentes e brinquedos que recebiam. Então o irmão adoeceu de uma febre incurável (provavelmente, coqueluche) e numa noite chamou Antoine a seu quarto. Pediu que lhe trouxesse lápis e papel, porque sabia que estava morrendo e queria deixar seus bens — bicicleta, carrinhos, livros — para ele. Antoine brigou com o irmão e disse que ele não estava morrendo. Que a febre passaria em breve. Acontece que o rapaz realmente faleceu no dia seguinte, e aí Antoine se deu conta da desimportância que os brinquedos tinham em relação ao amor do irmão, que acabara de perder. Gosto de pensar que foi desse episódio que nasceu uma das frases mais famosas de Saint-Exupéry: o essencial é invisível aos olhos.