Das razões para abraçar Miguel

Por Bruna Cook

Se você veio à Aliança Francesa Salvador e não sabe quem é Miguel, então você não conhece a fundo essa instituição.

É sério.

Até porque ambas histórias se misturam a tal ponto, que não sabemos, matematicamente explicando, quem está contido em quem. Talvez Miguel seja parte da Aliança Francesa porque é filho de Micheline Coutinho, fundadora da Associação Franco-Brasileira de Salvador. Em contraponto, talvez Miguel seja a própria entidade porque simplesmente é testemunha viva de 45 anos de fundação.

Inclusive ele me falou em uma tarde dessas que veio aqui trabalhar só para passar um tempo. “Quando eu terminei meu curso, que antigamente era chamado de ginásio, fiquei sem ter o que fazer. Então resolvi entrar na Aliança Francesa, o que dura até hoje, 45 anos”. As informações, no entanto, divergiam em minha cabeça: Miguel trabalhara aqui desde sempre? “Sim e não: são 43 anos registrados em minha Carteira de Trabalho, mas eu já contribuía antes disso”.

“Já nessa casa?”, perguntei. “Não, não… Tudo começou no Garcia, depois fomos para a Rua Recife na Barra e em 2001 viemos para cá [na Ladeira da Barra]”. No que diz respeito ao idioma francês, ele diz que, para além do que lhe foi ensinado por sua mãe, foi aluno da Aliança Francesa durante três anos. “Aprendi muito trabalhando aqui, também, porque eu era responsável por buscar as pessoas no aeroporto. Foi uma forma de me desenvolver inclusive com a língua, que eu não tenho aquele domínio gramatical correto, mas que dá pro gasto – que é o mais importante”.

Miguel destaca três mudanças principais desde que pisou na Aliança Francesa Salvador. Antes de mais nada, considera a instituição hoje “bem mais preparada do que antigamente”. O público também chama a atenção: “eu tenho a sensação de que os frequentadores eram mais sofisticados… Hoje eu sinto que as portas estão muito mais abertas”. Abertas e com pessoas significativamente mais engajadas, como é o caso dos bolsistas. “Antes você tinha em média 40, 50 pessoas com bolsa de estudos que só faziam isso mesmo, só vinham pra estudar, mas que por vezes nem ligavam para a oportunidade em si e acabavam largando no meio do curso. Hoje o método aplicado, de troca, é bem melhor”.

E histórias engraçadas, tem alguma? “Ah, sim! Lembro que Louis Tardy comprou um barquinho e queria sair por aí, navegando… Só que chegou em alto mar e o barco virou! Ele ficou por muito tempo esperando ajuda – um monte de gente passava e não fazia nada. Aí passou um navio alemão, viu ele no sufoco, deu meia volta e o socorreu. Aí, na manhã seguinte, aparecera no jornal que estavam procurando pelo ‘náufrago francês’… (risos)”.

Tá, mas o que dizer sobre a França? “Eu não me via indo até lá, mas um dia resolvi ir. Gostei muito, levei quase dois meses viajando no inverno. Um frio danado. Só andava com sono. Circulei por Marseille, Bordeaux… A comuna Aix-en-Provence. E, claro, no final, Paris”. O plano é ir pra lá de novo, em 2019: “sempre tem alguém das antigas que aparece por aqui e me chama para ir lá visitar, diz que tem um quarto me esperando. Como é que eu não vou?”.

Só para checar se o novinho estava com boa memória, provoquei: você consegue lembrar dos nomes de todos os diretores que passaram por aqui? De pronto, ele devolve, contando nos dedos. “André Jolly, Michel Honorat, Louis Tardy, Jean-Marc Bonneaud, Geneviève Bourlon, Bertrand Lecoq, Isabelle Diris, Jean-Jacques Forté, Bruno Peyrefitte, Olivia Deroint e Mamadou Gaye”. E adiciona: “E aí, eu sou ou não sou a Aliança Francesa?”.

No meio da nossa conversa, aparece Ceci Alves para cumprimentar Miguel. Aliás, pessoas pararem para saudá-lo dentro da Aliança Francesa ou na rua é uma das coisas mais corriqueiras que acontecem quando se faz uma caminhada com ele, independente da duração. “Viu como eu sou conhecido?”, debocha, no que respondo que ele deveria se candidatar a vereador. “Eu?! Difícil… Não tenho vocação para ladrão (risos)”.

Uma das histórias mais impressionantes sob esse aspecto ele compartilhou comigo nesse mesmo encontro. “A filha de Michel Honorat, Alessandra, foi embora daqui quando tinha uns 4 ou 5 anos. Um belo eu vinha subindo a escada e vi uma moça perto da porta do Consulado, então perguntei ‘bom dia, você está precisando de alguma coisa?’. Ela me disse ‘não… na verdade, eu sou filha de um ex-diretor da Aliança Francesa e ele me pediu para vir aqui, para procurar uma pessoa…’. Eu perguntei como era o nome do pai dela, no que ela respondeu Michel Honorat. ‘Michel Honorat… Então você é Alessandra, não é?’ – e os olhos dela encheram de lágrimas, porque ela compreendeu que eu era a pessoa que ela buscava. E ficou naquela alegria. Ela ficou emocionada em me ver, porque o pai dela não sabia se eu ainda estava vivo. Achei engraçado, porque aposentado eu até sou, mas vivo continuo sendo… (risos)”.

Pergunto a Miguel qual a sua mensagem para o aniversário de 45 anos da Aliança Francesa. Ele começa com um “parabéns à Aliança Francesa, me sinto honrado…” e, de repente, a voz embarga. Solto um “oxe”, achando ser brincadeira. “Não, peraí…”. Ele continua: “isso é pelo fato de estar na Aliança até hoje, de ter conseguido me aposentar… Apesar de não ter tido uma faculdade, nem nada do tipo, me sinto muito bem em ser um brasileiro que conseguiu até hoje estar trabalhando. Eu vejo tantos jovens que se lamentam por conta de ausência de emprego, tantas pessoas tentando se aposentar sem conseguir, que penso: é, eu sou feliz. É por isso que eu me sinto grande. Cheguei a me emocionar mesmo, mas segurei a onda porque sou muito difícil (risos)”. E finaliza: “Parabéns à Aliança Francesa por ter conseguido se manter viva, porque tem muitas instituições que desaparecem com o tempo… Que vocês continuem esse processo, que trabalhem com amor”.

O melhor registro em áudio, no entanto, ficou para o final. Ainda com o celular em mãos, gravando, Miguel se recompõe, olha pra mim daquele jeito moleque de sempre e solta: “sim… agora você vai me pagar quanto por isso?”. Eu ouso dizer que ouvi-lo não tem preço e por isso digo a todos: você quer realmente saber qual é a história da Aliança Francesa Salvador? Dê um abraço em Miguel, troque dois dedos de prosa. Depois não diga que eu não avisei.

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Traduction par Mamadou Gaye

Si vous êtes venu à l’Alliance française Salvador et que vous ne savez pas qui est Miguel, vous ne connaissez pas vraiment cette institution. L’histoire de Miguel et celle de l’Alliance de Salvador sont si mêlées qu’on ne sait plus dire qui est arrivé avant qui. Miguel fait peut-être partie intégrante de l’Alliance parce qu’il est le fils de Micheline Coutinho, fondatrice de l’Association franco-brésilienne de Salvador.

C’est un témoin vivant des 45 années d’existence de l’institution. Miguel dit d’ailleurs : “Quand j’ai quitté le lycée, je ne savais plus quoi faire. J’ai décidé de rejoindre l’Alliance française et ça fait maintenant 45 ans que ça dure. ” Quant à la langue française, outre ce que sa mère lui avait enseigné, il l’a étudiée durant 3 ans à l’Alliance. “J’ai beaucoup appris en travaillant ici, j’étais responsable de la prise en charge des personnes à l’aéroport. C’était une façon de développer ma connaissance de la langue française. Je ne domine pas parfaitement la grammaire mais je me débrouille dans n’importe quelle situation – c’est le plus important “.

Miguel souligne quelques changements majeurs en 45 ans. Il pense que l’Alliance, dans son organisation actuelle, est “mieux préparée qu’auparavant”.”J’ai l’impression que les habitués étaient plus sophistiqués… Aujourd’hui, les portes semblent davantage ouvertes avec des gens plus engagés. Avant, vous aviez en moyenne 40 boursiers qui venaient uniquement pour étudier, et parfois, ils ne comprenaient même pas l’opportunité qui s’offrait à eux et ils abandonnaient au
beau milieu du cours. Aujourd’hui, la méthode d’échange appliquée au sein de l’Alliance, des cours contre des heures d’activités, est bien meilleure. “

Et des histoires amusantes, il en a beaucoup à raconter : “Je me souviens qu’un directeur, avait acheté un petit bateau… Arrivé en haute mer, le bateau s’est retourné ! Il est resté longtemps à attendre de l’aide. Finalement, un navire allemand lui est venu en aide. Le lendemain matin, le journal a publié un article avec comme titre le “naufragé français”.

D’accord, mais qu’en est-il de la France ? “Je ne m’imaginais pas y aller, mais un jour je le suis décidé. J’ai vraiment aimé. J’ai passé deux mois d’hiver à voyager en France. Un froid de canard. J’ai fait un tour à Marseille, à Bordeaux et bien sûr, à Paris. ” Le plan est d’y retourner en 2019 : “Il y a toujours des anciens qui passent et qui m’invitent à venir leur rendre visite.” Juste pour vérifier si Miguel a une bonne mémoire, je l’ai provoqué : “Es-tu capable de me citer les noms des
directeurs qui ont été en poste ?” Il se met tout à coup à compter sur ses doigts. “André Jolly, Michel Honorat, Louis Tardy, Jean-Marc Bonneaud, Geneviève Bourlon, Bertrand Lecocq, Isabelle Diris, Jean-Jacques Forté, Bruno Peyrefitte, Olivia Deroint et Mamadou Gaye.” Et il ajoute: “Alors, je suis ou je ne suis pas l’Alliance Française ?”. Au milieu de notre conversation, des gens s’arrêtent pour le saluer dans l’Alliance ou dans la rue. “Tu vois comment je suis connu ?”, dit t’il d’un air malicieux.

Une jolie histoire lui revient alors. “La fille d’un directeur, Alessandra, est partie d’ici à l’âge de 4 ans. Un jour, en arrivant à l’Alliance et en montant les marches, j’ai vu une fille près de la porte du consulat, et je lui ai demandé si elle avait besoin de quelque chose. Elle m’a dit “non… en fait, je suis la fille d’un ancien directeur et il m’a demandé de venir ici pour chercher une personne…”. Je lui ai alors demandé comment s’appelait son père, lorsqu’elle m’a répondu Michel Honorat. “Alors vous êtes Alessandra, n’est-ce pas ?” et ses yeux se sont remplis de larmes, j’étais la personne qu’elle cherchait. Un sentiment de joie dominait cet instant. Elle était ravie de me voir parce que son père ne savait pas si j’étais encore en vivant. Je trouvais ça drôle parce que je suis, certes, à la retraite, et toujours bien vivant… “.

Quel est son message pour le 45e anniversaire de l’Alliance ? Miguel commence par “Félicitations à l’Alliance Française, je me sens honoré…” et tout à coup, sa voix se met à trembler. Il poursuit : “C’est parce que j’ai fait partie de l’Alliance jusqu’à ce jour, que j’ai réussi à prendre ma retraite. Bien que je n’aie pas de diplôme ou quoi que ce soit comme ça, je suis très heureux d’être un Brésilien qui a réussi à travailler jusqu’à aujourd’hui. Je vois tant de jeunes qui se plaignent de ne pas trouver un travail, tant de personnes qui essaient de prendre leur retraite sans y parvenir, que je me dis : oui, je suis heureux. C’est pourquoi je me sens bien. J’étais vraiment touché, mais j’ai tenu le coup parce que je suis solide (rires)”. Et il conclut par “Félicitations à l’Alliance Française pour avoir su rester en vie, car de nombreuses institutions disparaissent avec le temps… Puissiez-vous poursuivre ce processus, et continuer à travailler dans l’amour.”