Portrait: Paula Anacaona

Por Karina Guerreiro de Sá

Paula Anacaona é apaixonada por literatura. Ela é francesa, tradutora, escritora e possui a editora Anacaona, especializada em literatura brasileira voltada para as minorias. Ela conheceu o Brasil aos vinte e poucos anos e, desde então, criou um elo profundo com o país como ela mesma diz: “Tenho a impressão de conhecer o Brasil como se sempre tivesse vivido lá”. Brinca também ao dizer que já foi brasileira em vidas passadas.

Realmente o seu interesse pela cultura e literatura brasileira é profundo, claramente explícito nos lançamentos editoriais que tem feito. Em 2013, a editora lançou a coleção “Terra”, que traz como destaque a região Nordeste dentre os grandes espaços rurais do país, onde a miscigenação é latente. Em 2015, foi a vez da coleção “Época”, onde se vê a diversidade das vozes literárias do Brasil contemporâneo. Entre 2016 e 2017 lançou o selo “Anacaona Junior”, voltado para o público infanto-juvenil.

Quando perguntamos sobre os motivos que a levaram a se dedicar exclusivamente a literatura brasileira e sobre o recorte específico das questões sócio-econômicas, raciais e das minorias do nosso país, nos responde que em 2009 conheceu a “literatura marginal” – e o Ferréz*, nos conta do seu amor à primeira vista pela turma da literatura periférica. Nessa época, ela já possuía uma relação intensa com a literatura brasileira, mas, voltada para os autores “clássicos”, sobretudo regionais, do Nordeste. Quando descobriu a literatura “urbana marginal”, decidiu criar a editora Anacaona e a se especializar nesse tipo de publicação.

Se nas livrarias francesas ela observou que haviam poucas traduções de autores brasileiros… imagina então de autores alternativos como os da “literatura marginal”? Não havia ninguém. Foi então que tudo começou. Ainda hoje sua editora é a única na França a publicar essa literatura específica do Brasil. Paula inclusive entende que a literatura do Nordeste, “regionalista”, é também “marginal”, assim como a literatura dos afro-brasileiros, que integram a maioria da população. Ela nos conta que gosta de ler histórias, de ouvir a voz dessa parcela do povo: dos sertanejos, das empregadas domésticas, dos ditos “bandidos”, das mães solteiras, enfim… das vozes da favela.

Questionada sobre a receptividade do público francófono aos livros publicados, responde se tratar de um trabalho de “formiguinha”. Primeiro, o livro é um produto difícil. Tanto franceses como brasileiros preferem ficar no Facebook e Instagram a ler livros. Segunda dificuldade: o mercado francês, por ser muito maduro, possui uma imensa produção nacional, o que deixa pouco espaço para a literatura de outros países. Destes, os EEUU chegam primeiro, limitando o espaço para outras literaturas. Por fim, não nega que a literatura também passa pelo modismo. Assim como o Brasil esteve na moda no começo dos anos 2000, agora a moda está voltada aos romances policiais da Suécia, Noruega. Apesar do abandono, Paula se recusa a dançar conforme a música e acredita que há lugar para todos, que as histórias contadas pelos brasileiros têm um valor universal e que merecem ser lidas.

Quanto ao fato de ser escritora, perguntamos como se sente ao escrever após ter editado autores tão relevantes do nosso cenário cultural. Ela acredita que não teria escrito romances se não tivesse se tornado editora e, mais do que isso, tradutora. Tanto as leituras que fez quanto todas as traduções que realizou serviram de alimento. Quando chegou o momento, sentiu vontade de escrever a sua história e não mais a dos outros; isso acontece um pouco com o processo de tradução. A tradução pode ser vista como um processo de “recriação” ou ainda “co-criação”. Ao escrever ela fala por si mesma, sem “ajuda” de ninguém.

Quanto aos planos futuros da editora, Paula nos conta que irá continuar nesse eixo. Espera poder publicar outros autores afro-brasileiros, tema que muito lhe interessa e cuja produção cresce também cada vez mais no Brasil. Disse ter muito carinho pelo selo infanto-juvenil da sua editora e espera poder desenvolvê-lo. O mais importante é continuar a publicar, traduzir os livros que ama apaixonadamente. Enfim, ela gostaria também de ter mais tempo para continuar a escrever. Realmente, projetos não faltam! Desejamos longa vida para Paula Anacaona e a sua editora que tanto nos enriquece ao divulgar nossa literatura.  *Ferréz: Reginaldo Ferreira da Silva, escritor.